Michael C. Wenderoth- Forbes
O comediante Jon Stewart foi questionado sobre onde nasceu a criatividade de seu talk-show noturno, “The Daily Show”, e sua resposta surpreendeu muitas pessoas: “Acredito realmente que a criatividade vem de limites, não de liberdade”, disse ele (ênfase minha).
A quarentena injetou limites dramáticos em nossas vidas, no trabalho, escola ou na realização de tarefas diárias rotineiras, e milhões de pessoas tiveram de se adaptar rapidamente e encontrar novas maneiras de fazer as coisas. As perguntas sobre isso são infinitas. Como trabalhamos quando não podemos sair de casa e precisamos vigiar crianças e outros membros da família em casa? Como as crianças aprenderão sem a rotina diária? E as pessoas que não estão online, como ajudá-la.
Algumas das novas soluções podem ser melhores do que as de antes. Isso deve nos fazer questionar nossa rotina e continuar a pensá-la quando as coisas voltarem ao “normal”.
Tudo isso é empolgante, mas não deveria nos surpreender.
As restrições são, contra-intuitivamente, uma parte crítica do processo de criatividade, e é por isso que são parte integrante de como as pessoas e as organizações mais inovadoras operam. Estamos tão acostumados a ver ou resolver um problema de uma certa maneira que uma restrição que nos força a pensar “fora da caixa” é benéfica. Esse ponto de vista diferente é essencial, porque nos permite reformular o problema original e ver novas opções.
Vários estudos mostram como somos vítimas de vieses cognitivos conhecidos, por exemplo, o efeito Einstellung (a familiaridade que nos leva a pular para uma resposta, descartando alternativas) e viés de confirmação (prestamos mais atenção às informações que reforçam nossas crenças). Nas empresas, mais da metade das decisões fracassam, o que é atribuído a uma falha em ver alternativas. Até os jogadores de xadrez subestimam melhores sequências de movimentos quando as peças são dispostas de maneiras familiares.
Obstáculos difíceis podem levar as pessoas a abrir suas mentes. É por isso que os processos mais antigos e validados de resolução de problemas criativos e as principais consultorias de inovação empregam exercícios que introduzem restrições: elas nos ajudam não apenas no desenvolvimento de novas ideias, mas na tarefa mais difícil, que é escapar das antigas formas de resolver as coisas.
De fato, na maioria das vezes, é o conhecimento, não a ignorância, que nos atrasa:
- As restrições de tempo nos forçam a focar na prioridade em questão e a produzir algo viável. “Bom o suficiente” é melhor do que algo que nunca sai do papel. Nada como um prazo de entrega!
- As restrições de recursos nos forçam a buscar abordagens diferentes. Pense como MacGyver: se eu não tenho o dispositivo certo, como podemos fazer o mesmo trabalho com os materiais em mãos ou de outra maneira?
- E as restrições de ponto de vista em nosso pensamento nos forçam a enxergar sob uma nova perspectiva. Pense diferente, como a Apple: como meu filho ou alguém de outro setor abordaria esse problema?
- Desde o choque inicial da pandemia, vi a criatividade desencadeada em um ritmo sem precedentes e em lugares inusitados. Esses momentos criativos começaram pequenos, com uma pequena sacola plástica no supermercado da Espanha, e continuaram uma semana depois, quando um pastor reinventou seu sermão na Califórnia.
Trabalho
Um de meus clientes executivos trabalha para uma empresa que o obriga a estar no escritório dos EUA com sua equipe, mesmo que sua esposa e filhos morem na Ásia. As viagens e a separação de sua família afetaram seu bem-estar e isso, por sua vez, afetou sua produtividade e lealdade à empresa.
Nos últimos dois meses, como resultado do coronavírus, meu cliente tem gerenciado com sucesso sua equipe remotamente, de seu apartamento alugado nos EUA. Foi necessária uma quarentena no estado para que o teletrabalho e o gerenciamento remoto fossem testados. Sim, eles são possíveis e podem ser bem feitos.
Há evidências crescentes de que os benefícios de produtividade do trabalho remoto superam os custos, mas muitas empresas ainda mantêm as políticas tradicionais sobre local de trabalho, horário de trabalho, horário flexível. Simplesmente porque é assim que as coisas “sempre foram feitas”.
Escolas
Embora a internet e as videoconferências tenham nos ajudado no trabalho, elas também permitiram que nossos filhos frequentassem a escola remotamente, o que introduz as questões de como as crianças aprendem melhor.
Como professor, vi alunos que tinham problemas para participar da aula começarem a prosperar online. Também adotei pessoalmente novas técnicas, como pesquisas ao vivo, para promover o envolvimento. Como um colega me disse: “Começar a ensinar online anos atrás melhorou meus cursos presenciais”. Milhões de professores e alunos foram forçados a trabalhar sem uma sala de aula física.
Outras melhorias não têm nada a ver com tecnologia. Nossa escola, por exemplo, permite que as famílias gerenciem sua própria programação diária. Para minha filha, o sono é essencial, e agora ela está se dando muito bem com seu novo horário em casa, às 10h30, o que permite que eu e minha esposa usemos horas produtivas da manhã para outros trabalhos. Pesquisas mostram que as crianças se saem melhor quando começam as atividades mais tarde no dia. Como muitos pais podem atestar, tirar o adolescente da cama cedo é uma maneira certa de deixar todo mundo de mau humor logo no começo do dia.
Em Amsterdã, na Holanda, onde meus sobrinhos moram, as escolas estão reabrindo, mas mantendo a restrição do distanciamento social. Uma solução inovadora: as aulas serão divididas em dois grupos e os alunos frequentarão a escola em dias alternados ou em horários diferentes durante o mesmo dia. Isso permite que os professores prestem mais atenção à sala de aula, reduz o tédio da quarentena, permite que os alunos continuem com algum estudo independente, além de aliviar parte da carga sobre os pais que estão trabalhando em casa.
Os políticos terão a complexa tarefa de avaliar o que leva a melhores resultados educacionais. Mas há certamente milhões de experiências intrigantes em andamento que podem ser analisadas se conseguirmos localizar os dados corretos.
Negócios
Anos atrás, durante um workshop de inovação, meus alunos executivos examinaram como as lojas físicas poderiam servir melhor os idosos. Quase todo mundo queria criar um aplicativo e serviço de entrega, então eu introduzi a restrição de que soluções não poderiam envolver tecnologia.
Eles reclamaram. Mas quando olharam mais profundamente, perceberam que estavam tratando do problema errado. Os idosos que eles entrevistaram e observaram fazer compras não queriam uma maneira melhor, mais rápida e mais barata de obter seus produtos. O que eles queriam era mais contato social.
Não me entenda mal: a entrega online permite que milhões de pessoas obtenham o que precisam sem sair, e isso é um benefício para os compradores idosos. Mas podemos atender idosos com segurança, sem isolá-los?
Depois da Covid-19, muitos supermercados agora têm horário de manhã exclusivo para compradores mais velhos. Isso deixou os idosos felizes, permite um serviço mais dedicado, minimiza a infecção cruzada e, provavelmente, reduz a ansiedade de todos os compradores impacientes na fila do caixa. As comunidades e os supermercados podem ter encontrado maneiras poderosas de promover os laços comunitários, satisfazer os clientes e até aumentar o desempenho da loja. Eles escolherão manter essas horas quando a “normalidade” voltar? Eu certamente espero que sim.
Cotidiano: igreja, saúde e serviços diários
Um pastor de uma pequena igreja na Califórnia foi à internet. Isso permitiu que mais pessoas comparecessem e também atraiu adolescentes e crianças, que poderiam interagir através da função de bate-papo. Um de seus primeiros sermões, curiosamente, citou João, capítulo 1, versículo 5: “A luz brilha nas trevas e as trevas não a venceram”. Ele perguntou como cada pessoa era “surpreendida pela alegria” (e não pelo desespero) provocada pelas restrições da pandemia.
Na Espanha, os profissionais de saúde tiveram de criar equipamentos de proteção e os inovadores criaram alternativas, quando as máscaras ficaram escassas. Na China, um sistema de saúde com código de cores usou big data, telefones celulares e verificações de temperatura para rastrear e permitir movimentos mais seguros. Em todo o mundo, as consultas de telemedicina e por telefone viram um grande aumento. Até a descoberta de vacinas pode acontecer mais rapidamente, já que estudos em revistas foram disponibilizados meses antes do tempo e o compartilhamento entre os pesquisadores aumentou.
A criatividade pode até aparecer nas tarefas diárias mais mundanas, como a sacola plástica que me fez notar, em primeira mão, a engenhosidade humana durante a crise. Com o desinfetante esgotado, meu atendente de supermercado local usou saquinhos de sanduíche no caixa. A necessidade é realmente a mãe da invenção.
Sem dúvida, temos muitas coisas para reclamar (banda larga reduzida no seu Netflix ou um atraso de dois dias na remessa da Amazon, não deveriam estar entre elas). Mas, também me parece que as novas restrições não esmagaram o espírito humano, nem a nossa criatividade coletiva. De fato, em muitos casos, é bem o contrário.
E é isso que nos leva adiante.
Quando a quarentena for suspensa, encontraremos conforto ao voltar a fazer as coisas no modo antigo. Mas se lembre de que muitas de nossas antigas formas de trabalho, escola e governo nem sempre funcionavam bem. Alguns, francamente, mostraram falhas nos últimos tempos. Nem todo mundo ficará animado em voltar para o escritório, com horário de trabalho, em acordar as crianças muito cedo para a escola ou com as queixas da família ao ir à igreja no domingo.
Há uma história, de origem desconhecida, do homem que viu um elefante amarrado no lugar por uma pequena corda presa à perna. O elefante estava tão condicionado à sua situação de ser amarrado que, mesmo com aquela pequena corda, permaneceu no lugar. Devido às restrições que estamos enfrentando atualmente, estamos começando a descobrir novas soluções que podem nos desamarrar. O truque é aproveitar e não permanecer no lugar como aquele elefante.
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